A passada semana passou rapidamente – consolidação e fixação da camada cromática, limpeza e preenchimento de lacunas.
Esta semana continuamos os processos iniciados na semana anterior e iniciámos a reintegração cromática
Fechamos o intradorso do arco triunfal e tentamos tudo para fechar a obra a 30 de Maio. Conseguiremos?
Os pombos continuam a infernizar os nossos dias embora a rodagem de um filme no Convento os tenha estranhamente acalmado.
Os dias passam depressa...
No último post, a visitante Isabel O Dias apontava para uma questão importante e que já foi anteriormente falada neste blog. Alguns termos que são usados, tanto nos textos como nos vídeos, não são explicados concretamente. A visitante Isabel referia especificamente dois: tramo e destacamento. Ficam aqui, então, as explicações:
Destacamentos – Quando Sandra Alves fala em destacamentos refere-se ao mau estado de conservação da pintura que levaram a que partes da camada cromática se apresentassem destacadas do seu suporte – isto é, a pintura separava-se do muro que lhe serve de suporte.
Tal situação obrigou à primeira e mais importante parte desta intervenção, a fixação (colagem) da camada cromática, porque sem isso era de todo impossível realizar qualquer acção sobre a pintura porque a perderíamos totalmente.
Tramos – A Charola é centrada por um tambor octogonal onde são representados dezasseis anjos (dois em cada face) com objectos da Paixão. A cada face do tambor central correspondem duas faces no deambulatório exterior, apresentando este dezasseis faces ou tramos. Cada tramo será assim a porção de parede/muro que vai do arranque da abóbada ao chão. Estes dezasseis tramos foram, por facilidade de documentação, numerados de 1 a 16 sendo o nº 1 o primeiro à direita de quem entra na Charola pelo grande arco e os nº 15 e 16 os que estão sobre o referido arco. Estes dois são os únicos não completos porque a sua área inferior foi cortada pela construção do arco de ligação à Igreja.
Cada tramo é dividido em três áreas ou registos – superior, intermédio e inferior. O registo superior é ocupado pelas grandes composições murais com a representação da vida de Cristo e as dores de sua Mãe – os tramos pares – e pelos janelões envoltos por peças de estuque moldado – os tramos impares.
Esta ordem apenas é alterada nos tramos 13 e 15 que apresentam pintura. Tal se deve ao entaipamento das originais janelas.
O registo médio é ocupado pela pintura sobre madeira e o registo inferior apresenta as pequenas capelas térreas excepto os tramos 1 e 14 – grandes capelas de maior profundidade – tramo 9 que é ocupado por um túmulo, tramo 7 com janelão – original entrada da Charola – e os tramos 6 e 8 que ostentam portas de acesso, respectivamente, à torre sineira e claustro do Cemitério. Como foi já referido os tramos 15 e 16 não possuem registo inferior.
O restauro da Charola está na recta final mas muito trabalho foi feito ao longo destes meses. Aqui se mostra um vídeo onde se recorda a dedicação desta equipa.
O visitante João Gonçalves comentou no post sobre o Restauro do Arco Triunfal, levantando uma questão que talvez faça sentido para outros visitantes: "Porque é que não restauraram toda a pintura do Arco Triunfal?" Segue, então, aqui a resposta.
A intervenção a decorrer na Charola é de conservação e restauro. Quer isto dizer que valorizamos, de acordo com as actuais normas éticas de intervenção em pintura mural, a conservação da peça realizando acções que suspendam a sua degradação de maneira a poder-mos usufruir delas um pouco mais de tempo e assim legá-las às gerações vindouras. O termo restauro passa para segundo plano porque à sua sombra foram realizadas algumas intervenções bastante imaginativas.
Tratar uma pintura é, apenas e só, ter um grande respeito pela peça, conservando-a materialmente sem adições resultantes da nossa visão da obra – isto é, respeitar integralmente o que existe e o que chegou até nós.
Não podemos, não devemos, “terminar” a peça refazendo partes em falta – podemos apenas e fizemo-lo na face do arco, atenuar as faltas/lacunas, o ruído do ausente, de maneira a facilitar uma leitura integral da obra.
Como fazer o que não existe – mesmo que houvesse documentação para tal – e continuar a dizer que estamos perante uma obra maior do século XVII? Teríamos que corrigir para século XVII e XXI. Como respeitar uma autoria se parte da pintura fosse obra de um anónimo “restaurador” nosso contemporâneo?
Foram estas linhas que nos orientaram na nossa intervenção e que estão sempre presentes no nosso trabalho. As lacunas em áreas de tom liso foram reintegradas mas todas aquelas que incidiam sobre figuração ou limites indefinidos foram apenas tonalizadas.
Relativamente ao orçamento – sabe, com toda a certeza, que um orçamento de conservação e restauro de pintura mural não é feito em função do número de pedras…
A Capela Sistina fica em Roma e a Charola em Tomar, muito mais perto de nós – passe pelo Convento e admire a bela Ressurreição.
Na quinta-feira regressaram os homens da Rebel para terminar a desmontagem.
A tarde foi ocupada com a limpeza do chão e a instalação do material necessário à intervenção no registo inferior. Paralelamente analisávamos os registos superiores em busca de uma falha ou um esquecimento – ali podia ter sido mais tonalizado, acolá podíamos ter reintegrado menos...
A semana que vem já será normal, sem interrupções. Continuamos apostados em encerrar a intervenção no final deste mês.
A Charola, lentamente e com muito empenho, renova-se e reaparece-nos cuidada, rejuvenescida, próxima daquilo que foi na sua origem, no entanto respeitando o seu tempo no nosso tempo.
Haverá quem pergunte porque são tão visíveis as lacunas do arco triunfal.
Haverá quem não perceba porque ficaram os blocos em pedra com a pedra tão à vista.
Haverá quem ache que deveria ter sido feito mais.
Mas como podemos fazer o que não conhecemos? Como poderíamos inventar o que lá não se via? O princípio da conservação e restauro de pintura mural tem uma ética que foi respeitada - não existe, não se sabe com era , não se faz. Foi isso que fizemos ou melhor, que não fizemos, fazendo muito.
Quem se perguntar porque não foi feito, observe bem as imagens do arco antes da intervenção e perceberá porque foi escolhido este critério.
Terminamos os registos superiores de 5 tramos desta empreitada esta semana. Na próxima terça feira, depois da visita do IGESPAR, os andaimes vão ser desmontados até meio. Depois, sobem-se as esculturas, que têm estado guardadas no andaime do tramo 10, montam-se os baldaquinos e as mísulas e continua-se a desmontar o andaime.
Resta-nos o piso térreo para terminar.
Vai ser estranho não voltar lá acima, possivelmente nunca mais, pelo menos a estes 5 tramos. Nunca mais ver as bonitas aplicações em cera das vestes do homem dos sinos ou o passarinho na gaiola do homem da direita, na pintura do tramo 6. Aqueles pequenos detalhes que foram feitos mesmo sabendo que não iriam ser vistos cá de baixo e no entanto estão lá.